quinta-feira, 4 de março de 2010

Terremotos: um Ensaio sobre a Cegueira

Saramago imaginou uma cegueira contagiosa que levou um país ao caos. Nesse mundo, o caos é o Homem, ou o Mal que mora dentro.
É o rato que sai dos escombros do que antes foi Homem.
A estória é a metáfora do que podemos nos tornar sem o controle de olhos externos. 

Segundo o próprio autor do romance,
"(...) Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. (...). Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

Nem Saramago poderia descrever tanta desumanidade como os terremotos no Haiti e no Chile. Diante da fome, a moral é condescente com quem rouba a comida e briga pela água. Mas o ratos, os ratos saem dos escombros... E conseguem ser pior que o inferno da catástrofe.

- Não basta pegar a comida - se há a oportunidade de saquear eletrodomésticos.
- Não basta arrebentar canos para beber a água - há que levar fogo aos escombros do mercado.
- Não basta empurrar, acotovelar-se e defender-se - há o assassinato e o estupro de mulheres e crianças.
- Não basta o abandono e a orfandade - há que se aproveitar do tráfico de crianças.
Absurdamente, o item de primeira necessidade é a força militar.

“O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui.”

Saramago parece movido pela tortura de seu livro ao falar do Haiti*, meio responsável por ter construído um mundo tão terrível com sua tinta. (*Blog de Saramago: "Quantos Haitis?")
E tenta socorrer seus personagens, resgatando-os em sua Jangada de Pedra. (A Fundação José Saramago (re-)editou este livro para reverter as vendas às vítimas do Haiti.)

“Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira. Isto é diferente. (...) Agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos. Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego. Acredito, mas não preciso, cego já estou. (...) Levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único lugar do corpo onde talvez ainda exista uma alma, e se eles se perderam”

"...se antes de cada acto nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar."

Trechos do livro "Ensaio sobre a Cegueira" (José Saramago, 1995)

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